Lívia Diamantino
Por que escrevemos? Pergunta feita no plural, mas só posso responder no singular. Em primeira pessoa.
Não sei como funciona para os outros, mas para mim é quase uma necessidade fisiológica. Nunca me fizeram a pergunta: por que falamos ou cantamos ou sorrimos. Escrever, para mim, é instintivo assim.
Acontece desde antes de eu ser alfabetizada. Aos quatro, lembro de achar lindo ver os adultos escrevendo. Eu imitava com garranchos no papel. Lembro da ansiedade para a aula da “Casinha Feliz”, em que ia ser apresentada às letras, de não querer dormir para não esquecer o que aprendi na aula naquele dia. Conto isso como uma das memórias mais vivas da minha infância.
É isso, escrever faz eu me sentir viva. E como ser humano que nasce, cresce e aprende a controlar seus impulsos, fui exercitando, disciplinando, moldando e transformando a escrita em ofício, inserindo essa tarefa no mecanismo do meu próprio funcionamento.
Tenho necessidade de todo dia sentar e escrever. É como sentar à mesa para comer. O estômago avisa a hora do almoço, como o intestino determina sua hora e o cérebro chama para dormir a noite e te acorda um minuto antes do despertador. A escrita fica ali, ocupando boa parte do meu dia, colocando cérebro, coração e dedos para trabalhar em equipe. É quando constato que dedo pensa. Dedo sente. Bota coração e cérebro para darem as mãos. E escrevo coisas que não pensei um segundo antes.
Às vezes, tento pensar ou sentir sobre algo e não vem. O que está inconsciente, desorganizado, borrado, encontra o branco do papel e se revela através dos dedos. É um processo químico mesmo, entre corpo e alma. Ou alquímico, mágico, quando pensamento e sentimento se fundem no fluxo da escrita. O branco do papel tira o branco da alma. Dá cor, dá voz, dá tom. E um tom certo, método, civilizado. Porque com a escrita a gente mede as palavras, edita, o que nem sempre dá pra fazer com a palavra dita. Falou, já foi. E palavra dita não fica. A escrita registra, permanece. As melhores, se eternizam. O que não acontece nem com a própria vida. É por isso que a minha vida é a escrita.