Intimidado


Lívia Diamantino

Já era a segunda vez que ia na casa da namorada, mas a mão ainda suava. Não só pelo pai dela. O velho Silva era difícil, mesmo tendo ido com a cara dele. Pelo menos parecia, já que tinha autorizado o namoro. Só que intimidar o candidato a genro era regra em 1974. Mesmo em Salvador, cidade grande. Fora isso, tudo era diferente de Gandu, de onde Osvaldo tinha chegado há menos de um ano pra prestar vestibular. O trânsito, então, nem se fala. Preferiu ir a pé para a casa dela, não arriscaria errar a parada do ônibus e se atrasar. Àquela hora também o sol já estava baixo. Chegou então ao Edifício Alpha. Sim, ela morava em um prédio. Com elevador. Ele entrou e cumprimentou o porteiro.
– Pode subir – respondeu o rapaz, sem tirar o ouvido do radinho – Esther já avisou que o senhor vinha.
– Obrigado.
Entrou no elevador, apertou o 14 e se olhou no espelho. Tinha emagrecido ainda mais. Sua mãe não ia gostar de ver que fez mais um furo no cinto. Comer comida de pensão era o preço de fazer faculdade. O elevador parou, abriu a porta e Esther já o esperava no corredor com um sorriso de orelha a orelha.
– Oooiii!
Ela tinha um cabelão preto, liso, até o meio das costas, que ajudava a marcar a cinturinha fina. Era do tipo mignon, peito pequeno mas o quadril largo. Estava arrumada para sair, mas iam ficar ali mesmo, namorando nas escadas do corredor. Agora que já tinha sido apresentado a família, o sogro autorizou. O que ajudava muito um universitário com seu primeiro emprego em fim de mês. Aliás, foi no trabalho que se conheceram. Quer dizer, que se estranharam de início. Uma moça que faz faculdade e trabalha era modernidade demais. Foi ela quem pediu ele em namoro e ali estava Osvaldo, pela primeira vez a sós com ela. Não estava mal intencionado, não é isso. Mas, digamos, não sabia onde botar as mãos. Era muita coisa para lidar: namorada nova, seu Silva, elevador. Sim, até o domingo passado quando passou pelo crivo do sogro, nunca tinha entrado em um. Mas ninguém precisava saber disso.
Esther estendeu uma pele de cabra, que fazia as vezes de tapetinho, em um degrau da escada. Sentou e puxou Osvaldo para sentar ao lado dela. A escada era estreita, só cabiam os dois, coxa com coxa. Mas ficou sem posição. Ele era trinta e um centímetros mais alto do que ela. Não sabia o que fazer. Literalmente, não conseguia se mexer. Na dúvida, passou o braço por trás da namorada e a abraçou. Pediu um beijo, ela deu. Puxou conversa, mas se viam todo dia no trabalho, não tinham novidades a contar. E também tinham que aproveitar, seu Silva só deixava ficarem juntos por uma hora. Até a mãe dela servir a janta. Que Osvaldo não estava convidado a participar. Ainda não.
Então lá estavam eles se beijando, se abraçando, aquela empolgação e a mão de Osvaldo encostou no peito de Esther. Foi de leve, ela não disse nada e continuaram. Até que ele finalmente tomou coragem para...
– Uaaaaaaaaaaaaiiii!!!!! – O ouvido de Osvaldo zuniu com o grito de Esther. Um grito de pavor.
Ela levantou com tudo, olhando para ele. Osvaldo ficou da cor da parede. Tentou falar, pedir desculpas.
Logo depois, a porta da casa de Esther abriu com tudo. Seu Silva veio correndo com uma vassoura na mão.
– Cadê, Esther?
Osvaldo olhou de seu Silva para Esther sem entender nada. Estendeu os braços, rendido, mesmo assim. Ela só olhou para a janelinha com basculante no alto da escada e Osvaldo acompanhou seu olhar. E estava lá. Uma barata cascuda.
– Não se mexam, vocês dois! – Ordenou seu Silva, como se fosse possível Osvaldo sequer respirar naquela hora.
– Paaaff! – Matou a barata com uma vassourada só. Catou a bicha e saiu de volta para o apartamento. Do meio do caminho, olhou para trás.
– Vá aprendendo, meu filho. – aconselhou seu Silva. – Se quiser casar, tem que saber matar barata.

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Lívia Diamantino

E-mail: liviadgs@hotmail.com

  

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